sábado, 13 de fevereiro de 2010

Avatar: Um breve comentário


Desde que Cameron começou a pré-produção de "Avatar", em 2005, após esperar aproximadamente dez anos para que a tecnologia avançasse a um nível que tornasse a transposição da história para as telas possível, o filme passou a ser visto pela indústria cinematográfica como a obra cinematográfica que colocaria o cinema, tão solapado pela evasão em massa do público, em um novo patamar que atrairia a atenção do público para as telas de cinema. Afinal, a luta travada nos bastidores foi tão intensa e dura quanto as batalhas que se vê na tela, entre os invasores humanos e o povo nativo do planeta Pandora. A equipe de Cameron teve que criar novos softwares para dar conta da completa criação digital de um mundo (incluindo mamíferos, plantas, árvores, insetos, aves, etc.) e inventar uma câmera 3D que fosse adequada para ser operada manualmente. Os desafios técnicos foram todos vencidos, e obviamente aquilo que se vê na tela é um universo mitológico fotorrealista ao extremo.

Em se tratando do enredo, "Avatar" é uma história de amor clássica, vitalizada por uma preocupação ecológica rasteira. Neste sentido, "Avatar" nada mais é do que uma versão de "Dança com Lobos" (1990) ambientada no espaço sideral. Adicione a tudo isso os ecos de "O Senhor dos Anéis", "Matrix" (mitologia cristã sobre o salvador, cerimônias coletivas que mais parecem um culto afro-brasileiro), "Tarzan" (atores correndo nos galhos de árvores gigantes) e mais um punhado de obras de ficção científica.

Os paralelos traçados em relação a "Dança com Lobos", são inúmeros. O protagonista é um militar ferido e desiludido com o mundo, que redescobre a alegria de viver ao tomar contato com um povo nativo cuja filosofia é de comunhão total com a natureza (saem os índios, entram os Na’vi, seres azuis com três metros de altura e que se conectam com animais de todas as espécies através de terminações nervosas). Ele se mistura com os nativos, aprende aos poucos a apreciar os seus costumes, e acaba se voltando contra sua própria raça durante uma batalha de proporções épicas. Cameron se certificou de incluir uma boa dose de preocupações ambientais para tornar o filme atual e fazê-lo politicamente relevante.

Do ponto de vista das convenções de gênero da ficção científica: "Avatar" trata-se do primeiro longa-metragem a inverter os tradicionais papéis de seres humanos e alienígenas. Até então, virtualmente todos os filmes feitos com extraterrestres mostravam essas criaturas como invasores, podendo ser hostis ou amigáveis, mas sempre invasores. Desta vez, são os seres humanos que representam o papel coletivo de vilões. É a nossa raça que invade o mundo puro e ingênuo dos Na’vi, com a finalidade de extrair um minério valioso que pode possibilitar a sobrevivência da Terra, cujos recursos naturais foram esgotados em 2154, ano em que a ação dramática é ambientada.

Essa atitude arrogante e destrutiva (para alguns é claro) é encapsulada pelo coronel Miles Quaritch (Stephen Lang), chefe de segurança da colônia humana no planeta Pandora, que respira, come e dorme a idéia fixa de destruir os alienígenas. Ele se tornará progressivamente o grande opositor de Jake Sully (Sam Worthington), o herói do filme. Jake é um ex-fuzileiro naval paralítico, contratado para participar de um projeto secreto que objetiva conhecer melhor a raça extraterrena. Esse projeto visa transferir a consciência de seres humanos para corpos com aparência Na’vi e DNA híbrido, capazes de estabelecer contato com os Na’vi. É com esse novo corpo, com o qual consegue voltar a andar, que Jake se infiltrará entre os alienígenas como espião – e, aos poucos, aprenderá com a princesa Neyriti (Zoë Saldana) um estilo de vida com o qual não tinha até então nenhuma intimidade.

Deve-se elogiar a equipe responsável pelo desenho de produção. Rick Carter e Robert Stromberg desenharam uma infinidade de plantas e criaturas; o traço que as une é que todas apresentam alguma semelhança com espécies terrestres (cavalos, rinocerontes, macacos, sequóias e muito mais). Esse princípio se aplica também à única raça bípede e com consciência, já que os membros do povo Na’vi têm a aparência de adolescentes rebeldes, incluindo dreadlocks, tatuagens, piercings e perfuradores de orelha, o que deixa claro qual é o público-alvo visado por Cameron.

O público-alvo também explica porque as referências mitológicas e espiritualistas são tão óbvias, assim como sua mensagem pacifista-ecológica que ecoa o mito do bom selvagem de Jean-Jacques Rousseau. Cameron já havia utilizado antes as releituras cristãs do salvador ou mitos cristãos do salvador (incluindo milagres), na série "O Exterminador do Futuro" e também em "O Segredo do Abismo" (1998). A equipe da Weta (estúdio de criação digital desenvolvido por Peter Jackson e responsável pela trilogia "O Senhor dos Anéis") dá vida a esse desenho de produção com enorme competência; é preciso ressaltar que a equipe de produção não filmou uma árvore ou bicho sequer, e que todas as paisagens naturais foram produzidas diretamente em computador.

Para finalizar, Cameron não só reescreveu a história de "Dança com Lobos" e a ambientou em um novo planeta, como também inseriu outras assinaturas estilísticas de seu trabalho como narrador cinematográfico, como a mitologia cristã-espiritualista citada acima e as protagonistas femininas duronas, sempre com uma função maior na história do que o normal em Hollywood, onde as mulheres se limitam ao papel de interesse romântico do herói. Infelizmente, o excesso de melodrama e a persistente noção de que sabemos exatamente o que acontecerá nos cinco minutos seguintes compromete um pouco a diversão daquela fatia do público que já tem uma bagagem cinematográfica razoável. Para os adolescentes e para a fatia do público sem memória que não se cansam de ver o mesmo filme com roupagem nova, "Avatar" tem tudo para se tornar a mais nova obra-prima das telas do cinema. Claro, enquanto eles tiverem alguma memória.

Contudo, viajar pelo mundo criado por Cameron é uma boa experiência!

- Avatar (EUA, 2009)
Direção: James Cameron
Elenco: Sam Worthington, Zoë Saldana, Stephen Lang, Sigourney Weaver
Duração: 162 minutos

José André Lourenço

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