sábado, 13 de fevereiro de 2010

Avatar: Um breve comentário


Desde que Cameron começou a pré-produção de "Avatar", em 2005, após esperar aproximadamente dez anos para que a tecnologia avançasse a um nível que tornasse a transposição da história para as telas possível, o filme passou a ser visto pela indústria cinematográfica como a obra cinematográfica que colocaria o cinema, tão solapado pela evasão em massa do público, em um novo patamar que atrairia a atenção do público para as telas de cinema. Afinal, a luta travada nos bastidores foi tão intensa e dura quanto as batalhas que se vê na tela, entre os invasores humanos e o povo nativo do planeta Pandora. A equipe de Cameron teve que criar novos softwares para dar conta da completa criação digital de um mundo (incluindo mamíferos, plantas, árvores, insetos, aves, etc.) e inventar uma câmera 3D que fosse adequada para ser operada manualmente. Os desafios técnicos foram todos vencidos, e obviamente aquilo que se vê na tela é um universo mitológico fotorrealista ao extremo.

Em se tratando do enredo, "Avatar" é uma história de amor clássica, vitalizada por uma preocupação ecológica rasteira. Neste sentido, "Avatar" nada mais é do que uma versão de "Dança com Lobos" (1990) ambientada no espaço sideral. Adicione a tudo isso os ecos de "O Senhor dos Anéis", "Matrix" (mitologia cristã sobre o salvador, cerimônias coletivas que mais parecem um culto afro-brasileiro), "Tarzan" (atores correndo nos galhos de árvores gigantes) e mais um punhado de obras de ficção científica.

Os paralelos traçados em relação a "Dança com Lobos", são inúmeros. O protagonista é um militar ferido e desiludido com o mundo, que redescobre a alegria de viver ao tomar contato com um povo nativo cuja filosofia é de comunhão total com a natureza (saem os índios, entram os Na’vi, seres azuis com três metros de altura e que se conectam com animais de todas as espécies através de terminações nervosas). Ele se mistura com os nativos, aprende aos poucos a apreciar os seus costumes, e acaba se voltando contra sua própria raça durante uma batalha de proporções épicas. Cameron se certificou de incluir uma boa dose de preocupações ambientais para tornar o filme atual e fazê-lo politicamente relevante.

Do ponto de vista das convenções de gênero da ficção científica: "Avatar" trata-se do primeiro longa-metragem a inverter os tradicionais papéis de seres humanos e alienígenas. Até então, virtualmente todos os filmes feitos com extraterrestres mostravam essas criaturas como invasores, podendo ser hostis ou amigáveis, mas sempre invasores. Desta vez, são os seres humanos que representam o papel coletivo de vilões. É a nossa raça que invade o mundo puro e ingênuo dos Na’vi, com a finalidade de extrair um minério valioso que pode possibilitar a sobrevivência da Terra, cujos recursos naturais foram esgotados em 2154, ano em que a ação dramática é ambientada.

Essa atitude arrogante e destrutiva (para alguns é claro) é encapsulada pelo coronel Miles Quaritch (Stephen Lang), chefe de segurança da colônia humana no planeta Pandora, que respira, come e dorme a idéia fixa de destruir os alienígenas. Ele se tornará progressivamente o grande opositor de Jake Sully (Sam Worthington), o herói do filme. Jake é um ex-fuzileiro naval paralítico, contratado para participar de um projeto secreto que objetiva conhecer melhor a raça extraterrena. Esse projeto visa transferir a consciência de seres humanos para corpos com aparência Na’vi e DNA híbrido, capazes de estabelecer contato com os Na’vi. É com esse novo corpo, com o qual consegue voltar a andar, que Jake se infiltrará entre os alienígenas como espião – e, aos poucos, aprenderá com a princesa Neyriti (Zoë Saldana) um estilo de vida com o qual não tinha até então nenhuma intimidade.

Deve-se elogiar a equipe responsável pelo desenho de produção. Rick Carter e Robert Stromberg desenharam uma infinidade de plantas e criaturas; o traço que as une é que todas apresentam alguma semelhança com espécies terrestres (cavalos, rinocerontes, macacos, sequóias e muito mais). Esse princípio se aplica também à única raça bípede e com consciência, já que os membros do povo Na’vi têm a aparência de adolescentes rebeldes, incluindo dreadlocks, tatuagens, piercings e perfuradores de orelha, o que deixa claro qual é o público-alvo visado por Cameron.

O público-alvo também explica porque as referências mitológicas e espiritualistas são tão óbvias, assim como sua mensagem pacifista-ecológica que ecoa o mito do bom selvagem de Jean-Jacques Rousseau. Cameron já havia utilizado antes as releituras cristãs do salvador ou mitos cristãos do salvador (incluindo milagres), na série "O Exterminador do Futuro" e também em "O Segredo do Abismo" (1998). A equipe da Weta (estúdio de criação digital desenvolvido por Peter Jackson e responsável pela trilogia "O Senhor dos Anéis") dá vida a esse desenho de produção com enorme competência; é preciso ressaltar que a equipe de produção não filmou uma árvore ou bicho sequer, e que todas as paisagens naturais foram produzidas diretamente em computador.

Para finalizar, Cameron não só reescreveu a história de "Dança com Lobos" e a ambientou em um novo planeta, como também inseriu outras assinaturas estilísticas de seu trabalho como narrador cinematográfico, como a mitologia cristã-espiritualista citada acima e as protagonistas femininas duronas, sempre com uma função maior na história do que o normal em Hollywood, onde as mulheres se limitam ao papel de interesse romântico do herói. Infelizmente, o excesso de melodrama e a persistente noção de que sabemos exatamente o que acontecerá nos cinco minutos seguintes compromete um pouco a diversão daquela fatia do público que já tem uma bagagem cinematográfica razoável. Para os adolescentes e para a fatia do público sem memória que não se cansam de ver o mesmo filme com roupagem nova, "Avatar" tem tudo para se tornar a mais nova obra-prima das telas do cinema. Claro, enquanto eles tiverem alguma memória.

Contudo, viajar pelo mundo criado por Cameron é uma boa experiência!

- Avatar (EUA, 2009)
Direção: James Cameron
Elenco: Sam Worthington, Zoë Saldana, Stephen Lang, Sigourney Weaver
Duração: 162 minutos

José André Lourenço

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Salvação em Processo

Venho esclarecer o termo "salvação em processo", termo esse muito usado em estudos acadêmicos.

O primeiro ponto a esclarecermos é que o estudo "Aspectos da Presença de Deus" foi direcionado a um grupo de alunos que aparentemente já haviam feito um estudo em Soteriologia, e que, portanto, já haviam estudado a "Ordo Salutis".

No meio reformado, geralmente, principiamos a ordo salutis (ordem da salvação) com a regeneração e, assim salientamos o fato de que a aplicação da obra redentora de Cristo é, em seu início, uma obra de Deus. Segue-se a isto uma discussão da conversão, na qual a obra da regeneração penetra na vida consciente do pecador, e ele se volta do ego, do mundo e de Satanás para Deus. A conversão inclui o arrependimento e a fé, devido a sua grande importância, esta é estudada separadamente. A discussão da fé leva naturalmente à discussão da justificação, considerando que esta é mediada pela fé. E porque a justificação coloca o homem numa nova relação com Deus, levando junto consigo a dádiva do Espírito de adoção e impondo ao homem uma nova obediência, e também lhe dando capacidade para fazer de coração a vontade de Deus, a obra da santificação é considerada logo a seguir. Finalmente, conclui-se a ordem da salvação com a doutrina da perseverança dos santos e sua glorificação final.

Segundo, quando falamos na santificação como sendo "salvação em processo" estamos fazendo alusão à Economia da Redenção, ou seja, o plano ou propósito de Deus em relação à salvação dos homens. Neste contexto, santificação (salvação em processo) é "a obra da livre graça de Deus, pela qual somos renovados em todo nosso ser, segundo a imagem de Deus, e habilitados a morrer cada vez mais para o pecado e a viver para a retidão". É uma mudança contínua operada por Deus em nós, livrando-nos dos hábitos pecaminosos e formando em nós afeições, disposições e virtudes semelhante às de Cristo. Isso não significa que o pecado seja instantaneamente erradicado, porém é mais do que uma ação contrária pela qual o pecado seja apenas restringido ou reprimido, sem ser progressivamente destruído. A santificação é uma real transformação.

Não podemos confundir santificação (salvação em processo) com regeneração. Visto que, regeneração é nascimento e santificação é crescimento. A regeneração é um ato instantâneo de Deus, que leva a pessoa da morte espiritual para a vida. É uma obra exclusiva de Deus. A santificação (salvação em processo) é um processo constante, que depende da ação contínua de Deus no crente, e consiste na contínua luta do crente contra o pecado.

Não podemos confundir santificação (salvação em processo) com justificação. Visto que, a justificação é um ato transitório, enquanto que a santificação é uma obra progressiva. A justificação é um ato forense, agindo Deus como juiz, declarando satisfeita a justiça relativa ao pecador crente, enquanto que a santificação é um efeito devido à eficácia divina. A justificação modifica ou declara modificada a relação do pecador com a justiça de Deus; a santificação envolve a mudança de caráter. A primeira (justificação), portanto é objetiva; e a segunda (santificação) subjetiva. A primeira baseia-se no que Cristo fez por nós; a segunda, no efeito do que ele faz em nós. A justificação é completa e igual em todos; enquanto que a santificação é progressiva, e é mais completa em alguns do que em outros.

Como dissemos, na santificação (salvação em processo), Deus está exercitando sua tarefa de purificar e restaurar o seu povo até que tudo se complete. Nas palavras do apóstolo Paulo, "Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus" Fp 1.6. O propósito salvador de Deus será completado no "Dia de Cristo", quando ele retornar em glória para ressuscitar o seu povo dentre os mortos.

Soli Deo Gloria!

José André Lourenço

"ASPECTOS DA PRESENÇA DE DEUS" (Sl 139:1-17)

Resumo

O presente estudo ainda que superficial na sua abordagem teológico sistemática, tem como objetivo dentro da perspectiva bíblica reformada esclarecer algumas dúvidas existentes no meio evangélico com respeito ao assunto da Imensidão ou Onipresença de Deus.

INTRODUÇÃO

Quando falamos na infinidade de Deus, "que é aquela perfeição por meio da qual ele fica livre de toda e qualquer limitação", devemos nos lembrar que a Infinidade de Deus pode ser vista de duas maneiras: quando vista com relação ao tempo a chamamos de Eternidade, e quando a vemos com relação ao espaço a chamamos de Imensidão ou Onipresença. Aqui vamos tratar apenas do aspecto da Infinidade de Deus que tem haver com a imensidão e onipresença. Em certo sentido imensidão e onipresença são termos sinônimos, porém cada um deles possui uma conotação diferente em relação às perfeições divinas.

A Imensidão "assinala para o fato de que Deus transcende a todo o espaço sem ficar sujeito às limitações do mesmo". A. A. Hodge diz que a "imensidão de Deus é a frase usada para expressar que Deus é infinito em sua relação ao espaço".

A Onipresença de Deus "denota que Deus enche cada parte do espaço com seu Ser completo".

Berkhof ainda observa que, "enquanto a imensidão dá ênfase à transcendência de Deus, a onipresença dá ênfase à sua imanência. Deus está imanente em todas as suas criaturas, em sua criação total, mas de maneira alguma encerrado por ela".

IMENSIDÃO

Ao dizermos que Deus é imenso com relação ao espaço, isto significa que ele transcende o espaço criado. Deus, portanto, está além do espaço e não se confunde com ele. Ele enche o céu e a terra, mas estes não podem conte-lo, porque ele está além deles e acima deles. A essência de Deus não se confunde com essência da criação. Ele está presente nela por inteiro, sem se misturar com ela. Deus está presente e enche todas as coisas, mas é totalmente independente delas.
Deus está envolvido com suas obras realizadas ou feitas no tempo e no espaço, mas está acima de toda limitação espacial, embora a esfera espacial pareça infinita para nós. Assim como ele existe antes e acima do tempo, ele também está acima e além de todo espaço. Se Deus estivesse confinado somente ao espaço criado, ele não seria maior que a sua criação. O universo criado não pode conte-lo porque é feito por ele. A criatura é sempre inferior ao Criador.

1 Reis 8.27 – "Mas, de fato, habitaria Deus na terra? Eis que os céus e até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei".

Neste texto, podemos ver que Salomão se admira de construir um templo para abrigar a Deus, quando esse Deus não pode ser contido pelo próprio universo espacial que ele criou. Esta é a imensidão de Deus!

Ao mesmo tempo, Salomão pasma-se de que um Deus tão grande possa habitar num espaço tão pequeno de um universo feito com as suas próprias mãos, enchendo-o com toda a plenitude do seu ser. Ele pasma-se ainda mais de que esse Deus possa habitar num espaço menor ainda que seja um templo de alguns poucos metros feito pelas mãos dos homens, mas enchendo-o também com a plenitude do seu ser. Esta é a onipresença de Deus!

Isaías 66.1-2 – "Assim diz o Senhor: O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés; que casa me edificareis vós? E qual é o lugar do meu repouso? Porque a minha mão fez todas estas coisas, e todas vieram a existir...".

Neste texto o escritor sacro mostra a imensidão de Deus. Deus é mostrado aqui como alguém que possui formas humanas, para que fique acessível ao nosso entendimento. É nos dito que ele tem a sua cabeça nos céus e os pés na terra, para mostrar quão imenso ele é, e que o espaço físico do universo não o pode conter. Se o universo fosse milhões de vezes maior do que é, ainda assim seria pequeno para Deus, porque este está além e acima dos céus. Tudo veio das mãos dele, por isso ele é maior do que a sua própria criação.

Atos 7.48-50 – "Entretanto, não habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas; como diz o profeta: O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés; que casa me edificareis, diz o Senhor, ou qual é o lugar do meu repouso? Não foi, porventura, a minha mão que fez todas estas coisas?".

O Novo Testamento também tem o mesmo conceito da imensidão de Deus ao interpretar o texto do Antigo Testamento.

Deus sempre está acima da sua criação e é independente da mesma. O universo ou os espaços do universo não podem conter Deus, porque Deus já existia quando não havia espaço ainda.

Este atributo divino é incomunicável à criatura. A noção de imensidão escapa ao entendimento dos homens. Estamos limitados ao fator espaço e é difícil pensarmos além dessa categoria (Sl 145.3; Jó 36.26). Não podemos ter uma real noção da imensidão divina, porque somos seres criados, limitados (Is 40.15,17) e Deus é infinito!

ONIPRESENÇA

O termo onipresença sempre será usado aqui para descrever a característica da infinidade de Deus que faz com que ele tenha a sua presença plena em cada parte do espaço.

Salmo 139.7-10 – "Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda lá me haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me sustentará".

Neste texto o salmista está dizendo que Deus pode ser encontrado em toda parte sem que esteja parcialmente em cada parte. Ao contrário, essa sua capacidade de onipresença significa que Deus enche cada parte do espaço com a plenitude da sua presença. Não há como fugir da sua presença total. Ele é encontrado em toda parte sem que haja fracionamento do seu ser. Em cada parte do universo Deus é encontrado em plenitude. É importante recordar que ele não é o universo, mas está totalmente em cada parte do mesmo. Também precisamos saber que ele não está espalhado pelo universo, como se cada parte dele estivesse num lugar. Ninguém escapa da sua infinita presença. É esse o sentido que o salmista deu a esses versos.

Jeremias 23.23-24 – "Acaso, sou Deus apenas de perto, diz o Senhor, e não também de longe? Ocultar-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu não o veja? - diz o Senhor; porventura, não encho eu os céus e a terra? - diz o Senhor".

Estes versos também mostram como o ser humano não pode escapar à presença de Deus. Ninguém pode ocultar-se dele devido à sua onipresença. Ele é o Deus sempre presente, um Deus que está perto, porque nunca ninguém pode ausentar-se dele. Nenhuma criatura pode fugir dos olhos daquele que vê todas as coisas. Isso é possível justamente porque ele "enche os céus e a terra" com a sua presença.

Atos 17.27-28 – "... para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós; pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos...".

Deus não está longe de ninguém quando consideramos a sua natureza presencial. Deus está essencialmente presente em toda parte, no céu e na terra. Não há lugar onde ele não esteja. Ele não está ausente de lugar algum. Ele penetra até mesmo os lugares mais ocultos. A criatura não pode fugir da sua presença "pois nele vivemos, nos movemos, e existimos" (At 17.28).

Deus está presente em cada parte do universo com o seu ser completo. Este é o sentido de onipresença!

VÁRIOS MODOS DE SE ESTAR PRESENTE EM UM LUGAR

Não existe apenas um único modo de se estar presente. A presença de um objeto ou um ser num lugar depende de sua natureza:

Os corpos estão presentes no espaço circunscritivamente

Isto quer dizer que eles estão limitados pelo espaço. Esta maneira de estar presente é própria das coisas quantitativas, dotadas de extensão física. Um corpo enche um espaço particular onde ele está; o seu espaço é a medida do seu tamanho e outro corpo não pode ocupar esse mesmo espaço simultaneamente.

Os espíritos finitos estão presentes definidamente

Os anjos ou demônios estão operando em algum lugar definido, mas não estão em toda parte, somente em algum lugar. A sua maneira de estar é diferente da maneira como os corpos ocupam espaço. Muitos espíritos podem estar no mesmo espaço, mas eles não ocupam espaço do mesmo modo que os corpos. Não se pode negar, contudo, que eles estão presentes em algum lugar.

Deus está presente repletivamente

Isto quer dizer que ele enche todo espaço. As limitações do espaço não são um referencial para ele. Ele não está mais presente em um lugar do que em outro. A extensão é propriedade da matéria não de Deus. Quando dizemos que Deus está totus em todo lugar, queremos dizer que ele não está em todo lugar em partes, como os corpos estão. Ele enche todo espaço com a plenitude do seu ser. Sobre isto, diz A. A. Hodge:

Este enchimento do espaço não se deve à multiplicação infinita do Seu Espírito, visto que Ele é eternamente um e individual; também não é resultado da difusão infinita de Sua essência através do espaço infinito, como o ar é difuso sobre a superfície da terra, visto que Deus, sendo um Espírito, não é composto de partes, nem é capaz de extensão, mas a Divindade inteira em uma indivisível essência está igualmente presente em cada momento de eterna duração à totalidade do espaço infinito, e em cada parte dele.

DIFERENTES MODOS DE DEUS ESTAR PRESENTE

O nosso Deus está presente em todas as coisas, mas em cada uma delas de maneira diferente, dependendo da capacidade do objeto em que ele está presente. Assim,

a) Deus está presente na natureza de um modo diferente de sua presença nos homens.
O cuidado que Deus tem com a natureza é diferente do cuidado que tem com os seres humanos, porque a natureza de ambos é diferente.

b) Deus está presente no crente de um modo diferente do que está presente nos outros seres humanos. O modo de sua habitação é diferente. Ele está presente em todos os homens por causa da sua onipresença, mas está presente nos corações dos crentes por causa do seu especial cuidado e proteção dos mesmos. Eles são o templo de Deus, onde Deus habita de maneira especial (Jo 14.23). Ele está presente com todos em virtude da sua essência divina, mas somente com o seu povo de maneira espiritualmente eficaz.

c) Deus está presente no céu (Mt 6.9) de maneira diferente de sua presença no templo de Israel ou no tabernáculo (Sl 76.2; Hc 2.20). O tabernáculo era apenas uma amostra muito pequena da sua gloriosa presença no céu. A diferença está na intensidade de influência e de impacto por causa da nossa própria natureza corrompida. No céu perceberemos quão diferente é a sua glória comparada com a sua presença no templo.

Portanto, Deus em Sua imensidão pode ser entendido como onipresente das seguintes formas:

a) Repletivamente: Deus está repletivamente presente em todo e qualquer lugar. O Seu ser está presente em todo espaço. Deus está presente no Reino Espiritual – Invisível (Jo 4.24); e no Reino Material – Visível (Sl 19.1-6), devemos atentar para o registro de (Gn 1.2).

b) Providencialmente: Deus está presente com todas as suas criaturas porque ele as criou e as preserva (Sl 36.6; Hb 1.3), e elas não podem escapar desse cuidado
(At 17.28). Deus pode ter uma presença providencial especial com algumas pessoas para que estas sejam instrumentos na execução do seu plano (Is 45.1-2 – o exemplo de Ciro: "Eu irei adiante de ti"; Jr 27.6 – o exemplo de Nabucodonosor: "meu servo").

A presença essencial de Deus com as suas criaturas é à base da subsistência das mesmas. Sem essa presença, tudo pereceria. Ele criou e dá subsistência a tudo
(Is 40.12-31). A sua providência atinge todas as criaturas, sejam elas remidas ou não-remidas, racionais ou irracionais.

c) Benevolentemente: Deus se faz presente nos santos de forma benevolente, muito embora sejamos pecadores, falhos e imperfeitos, mesmo assim, o Senhor, por Sua graça e misericórdia, não nos retribui consoante àquilo que de fato merecemos. Daí ser benévola Sua presença em nossas vidas, por causa da Obra Expiatória de Cristo na cruz e do Espírito Santo habitar em nossos corações. De maneira um pouco mais precisa podemos dizer que Deus está presente,

c.1) Salvadoramente: Deus está presente somente com os do seu povo e somente eles são objetos de sua presença especial. Todos os ímpios que estão para ser salvos o buscam porque ele está perto. Por sua graça especial, ele está presente com os eleitos, regenerando-os – dando-lhes vida.

c.2) Santificadoramente: quando ele exercita a sua tarefa de purificação na vida do seu povo. Na verdade a santificação é a salvação em processo; Deus está presente de modo gracioso e maravilhoso, trazendo a restauração do seu povo até que tudo se complete e prepare para a entrada na glória.

c.3) Gloriosamente: quando todo o seu povo estiver completamente redimido. Então, sua presença será percebida de modo ímpar, como em nenhuma outra época, pois agora o seu povo estará preparado para vê-lo como ele realmente é. O seu povo estará adaptado para uma comunhão absolutamente plena pela simples razão de que esse povo estará preparado para essa presença, coisa que não acontece no presente momento.

d) Restritivamente: Deus está presente restritivamente no ímpio, para que este cumpra o seu divino propósito, por exemplo: Endurecendo o coração dos ímpios: de Faraó (Ex 4.21; 7.3); de seus oficiais (Ex 10.1); dos egípcios (Ex 14.17); Fazendo com que o ímpio, mesmo sem o conhecer, cumpra a sua vontade (Is 45.1-17); Derrubando e levantando Nabucodonosor (Dn 4.1-37); Inibindo o avanço dos egípcios na perseguição contra o povo de Israel (Ex 14. 19,20); Barrando o caminho de Balaão
(Nm 22.21-33). Esta presença de Deus no ímpio, faz com que o mesmo não manifeste na sua plenitude, a sua condição corrupta, depravada e pecaminosa.

Na vida dos ímpios a presença de Deus é sem qualquer benevolência. Como já dito anteriormente, Deus está presente na vida dos ímpios refreando os seus pecados, enquanto eles vivem nesta presente condição. Deus está presente neles a fim de que não pequem em quantidade de que são potencialmente capazes. Deus refreia a sua pecaminosidade estando presente neles.

Por outro lado, a presença de Deus no ímpio pode ser de julgamento parcial, Deus os entrega às suas próprias paixões, mostrando o seu descontentamento com eles. Deve ficar claro que o fato de Deus entregar os ímpios às suas paixões não significa que a sua presença tenha se retirado deles. A sua bondade refreadora é que é retirada, não a sua presença. Devido à sua onipresença, Deus está sempre presente na vida do ímpio. Estes são os modos diferentes de Deus estar presente na vida dos ímpios.

e) Estarrecedoramente: Deus se faz presente estarrecedoramente, quando Ele manifesta a Sua presença aos ímpios que não O aceitaram e já morreram, por exemplo,
(Lc 16.19-25); Aos anjos que caíram (Jd 6); A destruição de Coré e de toda a sua família (Nm 16.20-35). Essa presença acontece de modo negativo quando ele não manifesta nenhuma bondade para com os que estão no inferno. De modo positivo, a sua presença causa-lhes dor. Neste sentido, podemos concluir que as almas daqueles que forem lançadas no lago de fogo, serão atormentados pelos séculos dos séculos, obviamente que serão atormentadas pela presença estarrecedora de Deus. Pois, Satanás não poderá fazer nada com eles, já que ele também será atormentado no lago de fogo (Mt 25.30,41; Ap 20.10,13-14). Deus estará presente no lugar de punição, sem qualquer manifestação de bondade em bênçãos confortadoras. Será uma presença que impinge terror, causando tormentos na existência dos condenados. É a sua presença de ira e de retribuição.

ALGUMAS APLICAÇÕES PASTORAIS

Para os Ímpios

Quão terrível é para ímpios saber que não podem esconder nada do Altíssimo, pois tudo está patente aos seus olhos, visto ser ele onipresente.

Os ímpios são tolos, pois pensam que podem fugir da presença do Senhor. Quando eles estão nos lugares mais secretos, Deus está ali no meio deles. Eles não podem pecar escondidos, pois tudo o que fazem está patente aos olhos do Deus onipresente
(Hb 4.13). Todos os ímpios vão prestar contas ao Onipresente dos seus atos ocultos. Ele está presente até mesmo no mais secreto dos corações (Pv 15.3). O Senhor observa tudo, porque está em toda parte! Todos devem temer um Deus assim!

Para os Crentes

Certamente, enquanto a presença de Deus é terror para os ímpios, para os crentes ela é matéria de conforto. Charnock diz que "Ele enche o inferno com a Sua severidade, os céus com Sua glória, e o Seu povo com a Sua graça".

a) A onipresença de Deus é conforto nos momentos de grandes tentações

O fato de sabermos que Deus está presente quando somos tentados dá-nos uma sensação de segurança, de proteção. Ele está perto para nos confortar. Esta foi experiência de Jesus quando tentado ("o Pai está comigo" – Jo 16.32) e quando os anjos vieram confortá-lo.

b) A onipresença de Deus é conforto nos momentos de terríveis aflições

O conforto de Deus pode ser evidenciado por sua onipresença confortadora nas horas de grandes aflições (Is 43.2). Nas horas em que os nossos melhores amigos faltam conosco, a presença de Deus é nosso conforto (Sl 27.10); em momentos de aflições inimagináveis, Deus é nosso refúgio, porque ele está conosco (Sl 46.1-5). O Senhor não desampara aqueles que têm o coração nele nas horas de aflição (2Cr 16.9).

c) A onipresença de Deus é conforto nos momentos de adoração

Quando adoramos, Deus está presente para observar, para ouvir as nossas petições e aceitar o nosso culto. Adoramos ao Altíssimo que está nos céus, mas que, ao mesmo tempo, está presente conosco.

Is 57.15 é uma demonstração de que o Altíssimo, o Sublime, está conosco para nos consolar nos momentos de adoração. O momento de adoração é sem dúvida, o momento mais sublime na vida do verdadeiro cristão, porque é usualmente o lugar e o momento onde Deus fala consoladoramente com o Seu povo. Ele fala porque está presente no meio deles, e sua presença nos momentos de adoração é extremamente consoladora, pois sabemos que ele não está longe de nós, mas no meio de nós e em nós.

Devemos estar conscientes de que Deus está sempre presente. Portanto, os pecados que cometemos não podem ser escondidos do Altíssimo, visto que no momento que pecamos, Ele está presente.

Assim, a onipresença do nosso Deus é um estímulo à nossa santidade!

REFERÊNCIAS

Bíblia de Estudo de Genebra (Editora Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999).
Campos, H. C. O Ser de Deus e os Seus Atributos (Editora Cultura Cristã, 1999).
Berkhof, Louis. Teologia Sistemática (Editora Cultura Cristã, 1990).
Hodge, C. Teologia Sistemática (Editora Hagnos, 2001).
Hodge, A. A. Outilines of Theology (Edimburgo: Banner of Truth, 1983).
Charnock, Stephen, The Existence and the Attributes of God, 2 vols. (Grand Rapids: Baker, 1990).

Obs.: Estudo ministrado por José André Lourenço no dia 20 de Maio de 2007 na Igreja Presbiteriana Central em Campo Grande – Escola Bíblica Dominical.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O Princípio Regulador do Culto

por Matthew McMahon

O Princípio Regulador do Culto recebeu sua forma clássica e definitiva nas confissões de fé reformadas do século XVII. Foi editado em linguagem idêntica na Confissão de Fé de Westminster e na Confissão Batista Londrina de 1689. Desta última extraímos a seguinte afirmativa:

“A luz da natureza mostra que existe um Deus, que tem senhorio e soberania sobre todos, que é justo, bom, e faz o bem a todos; e que, portanto, deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido, de todo o coração, de toda a alma, e com todas as forças. Mas a maneira aceitável de se cultuar o Deus verdadeiro é aquela instituída por Ele mesmo, e que está bem delimitada por sua própria vontade revelada, para que Deus não seja adorado de acordo com as imaginações e invenções humanas, nem com as sugestões de Satanás, nem por meio de qualquer representação visível ou qualquer outro modo não prescrito nas Sagradas Escrituras”.1

O Princípio Regulador do Culto afirma apenas isto: “O verdadeiro culto é ordenado somente por Deus; o falso culto é algo que Ele não ordenou”. Este era o conceito puritano a respeito do culto. Nas palavras de Samuel Waldron:

“Parece que um dos obstáculos de ordem intelectual que impede os homens de aceitarem o Princípio Regulador é que este envolve a idéia de que a igreja e seu culto foram ordenados de maneira diferente do restante da vida. No que concerne ao restante da vida, Deus estabelece para os homens os grandes e abrangentes princípios de sua Palavra e, de acordo com os limites estabelecidos nestas orientações, permite que eles conduzam suas vidas da melhor forma que puderem. Ele não dá aos homens orientações detalhadas sobre como devem edificar suas casas ou seguir carreiras seculares. O Princípio Regulador, por outro lado, envolve uma limitação na iniciativa da vontade humana, o que não é característico no que se refere ao restante de nossa vida. Evidentemente, isto admite que
existe uma diferença entre a maneira como o culto da igreja deve ser regulado e a maneira como o restante da sociedade e a conduta humana devem ser ordenadas. Portanto, o Princípio Regulador está sujeito a ofender muitas pessoas, por considerarem-no como opressivo, específico e, por conseguinte, sob suspeita, por não estar de acordo com a maneira de Deus lidar com os homens e orientar os outros aspectos de nossa vida”.

Esta declaração é muito acertada, e reflete algo que realmente tem acontecido.

Não obstante, devemos considerar apropriado o fato de que a casa de Deus e a vida de seu povo são regulamentadas pelas normas e preceitos dEle. Temos de reputar apropriado o fato de que a adoração acompanhada de reverência, amor, devoção e regozijo em Deus seja fundamentada e regulada de acordo com as Escrituras e os princípios estabelecidos por Ele. A adoração para o crente deve ser uma expressão do amor de Deus retornando para Ele mesmo. Temos de expressar-Lhe quão maravilhoso e bendito Ele é. Portanto, é impossível adorá-Lo através de invenções e ingenuidades dos homens. É impossível adorá-Lo em uma atmosfera que não foi estabelecida e ordenada por Ele e sua Palavra. O Princípio Regulador, que encontramos na Bíblia e, fielmente expresso pelos puritanos, não deve ser deixado de lado porque nós e a cultura contemporânea somos mais fascinados e atraídos pelo entretenimento do que pela adoração a Deus.
Os puritanos presbiterianos, ao formular os artigos da Confissão de Westminster, e os batistas reformados, na Confissão de Fé de 1689, tinham o mesmo alvo: o culto aceitável a Cristo. Primeiramente, vamos considerar a Confissão de 1689 e veremos os argumentos bíblicos que apóiam sua afirmativa sobre adoração. Esta confissão diz:

“A luz da natureza mostra que existe um Deus, que tem senhorio e soberania sobre todos, que é justo, bom e faz o bem a todos; e que, portanto, deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido, de todo coração, de toda a alma, e com todas as forças”.
Nesta afirmação podemos ver os argumentos bíblicos e filosóficos para a existência de Deus precedendo aqueles que dizem respeito a adoração a este Deus existente. Se utilizássemos argumentos apologéticos, a própria luz da natureza nos levaria à conclusão de que existe um Deus.
Ele é o soberano Senhor do universo. Isto não significa apenas que Deus é soberano, mas também que Ele é soberano sobre todos, governando sobre todos os seres viventes, todas as criaturas, e átomos, e em todas as partes do universo. Ele é Deus sobre todas as coisas! Se existe um Deus que é bondoso, justo e faz o bem a todos ou, pelo menos, pode fazer o bem a todos, Ele tem de ser adorado, temido, amado, invocado, servido e nEle devemos confiar, com todo nosso coração, alma e forças. Se este Deus é santo, então existe uma maneira correta de nos aproximarmos dEle. De acordo com sua Palavra, o Senhor Jesus Cristo deu à humanidade não apenas a habilidade de aproximar-se mas também todas as diretrizes pelas quais podemos nos achegar a Deus. A expiação realizada por Cristo assegura isto aos eleitos. Em essência, a Confissão Batista de 1689 afirma que temos de servir a Deus simplesmente porque Ele é Deus. Deste modo, podemos observar que os puritanos batistas não podiam iniciar apenas afirmando como o culto a Deus deveria ser orientado e realizado, sem primeiro falarem algo sobre o Deus que temos de adorar.

A segunda parte do parágrafo diz o seguinte:

“Mas a maneira aceitável de se cultuar o Deus verdadeiro é aquela instituída por Ele mesmo, e que está bem delimitada por sua própria vontade revelada, para que Deus não seja adorado de acordo com as imaginações e invenções humanas, nem com as sugestões de Satanás, nem por meio de qualquer representação visível ou qualquer outro modo não prescrito nas Sagradas Escrituras”.

O vocábulo “aceitável”, cuidadosamente escolhido e utilizado, implica existir um modo inaceitável de adorar a Deus. E, visto que a adoração foi instituída por Deus, está limitada por aquilo que Ele revelou a respeito de Si mesmo. Somente o que lemos nas Escrituras, que expressamente estabelecem certas condições para o culto, constituem o culto aceitável. Aquilo que o homem procura fabricar, inventar, acrescentar e retirar ou aquilo que ele pode ser tentado a fazer por ouvir o diabo não é adoração aceitável a Deus. E os puritanos estavam certos ao afirmar que o culto a Deus não poderia ser realizado através de qualquer representação visível ou de qualquer outra maneira não prescrita nas Escrituras. Por isso, eles combateram a idolatria do catolicismo romano, bem como suas imagens, ídolos e qualquer tipo de “culto da vontade” (logo falaremos sobre o “culto da vontade”). Portanto, na Confissão Batista de 1689, os puritanos tinham como alvo a pureza do culto, ou seja, aquele que agrada a Deus, fundamentado exclusivamente na Bíblia. Eles não permitiriam, em boa consciência, que o homem pecador determinasse por que meios eles mesmos se aproximariam de Deus. E não é possível que qualquer cristão saudável imagine estar tão acima do pecado, que se ache capaz de mostrar para Deus a maneira pela qual se aproximaria dEle. Somente Deus, que é santo e puro, pode determinar, por Si mesmo, a maneira pela qual os seres humanos podem aproximar-se dEle.

Na Confissão Batista de 1689, existem quatro argumentos dos puritanos em favor do Princípio Regulador da igreja e de seu culto. Primeiro: somente a Deus pertence a prerrogativa de determinar os termos pelos quais os pecadores se aproximam dEle, em adoração. Samuel Waldron citou James Bannerman em seu folheto sobre o Princípio Regulador:

“O Princípio Fundamental que alicerça todo o argumento é este: em
relação à ordenança do culto público, compete a Deus e não ao homem determinar tanto os termos quanto o modo pelo qual ele deve ser realizado. O caminho para nos aproximarmos dEle foi obstruído e fechado em conseqüência do pecado do homem; para este era impossível renovar o
relacionamento que solenemente havia sido interrompido pela sentença judicial que o excluía da presença e favor de Deus. Aquele caminho seria aberto novamente, e a comunhão entre Deus e o homem, restabelecida? Isto era algo que somente Deus poderia determinar. Se isto aconteceria, em que termos aconteceria esse restabelecimento? De que maneira seria outra vez mantida a comunhão entre a criatura e seu Criador? Isto também era algo que somente Ele poderia resolver.”

Com efeito, Deus é justo em suas prerrogativas, e a Bíblia demonstra que Ele exerce suas prerrogativas (Gn 4.1-5; Êx 20.4-6). Se Deus tivesse decretado que seria adorado somente por aqueles que usam camisas brancas, teria o direito de fazê-lo. Se Ele tivesse ordenado que todo crente deve usar camisas brancas para adorá-Lo, posso imaginar que todos os crentes, porque amam seu Senhor, sairiam e comprariam muitas, a fim de jamais ficar em falta. Eles viriam aos cultos
da igreja usando as camisas brancas que Deus lhes ordenou usarem para sua adoração. Deus é o único que regula nossa adoração. Quão arrogantes são os homens ao se imaginarem no direito de determinar, numa pequena parte que seja, como Deus será adorado!

O segundo argumento no princípio puritano sobre o culto é este: a introdução de práticas extra bíblicas tende inevitavelmente a anular e menosprezar o culto designado por Deus (Mt 15.3, 8, 9; 2 Rs 16.10-18). A passagem de 2 Reis 16.10-18 foi bem explicada por Samuel Waldron. Ele afirmou que aquele relato é uma maravilhosa ilustração do modo pelo qual práticas extra bíblicas inevitavelmente, e, com freqüência, de forma mui- to sutil, substituem a maneira designada por Deus. Waldron nos mostra que o rei Acaz, em sua apostasia e aliança com a Assíria, determinou em seu coração ter um altar semelhante ao que vira em Damasco. Acaz ordenou a construção daquele altar e que fosse colocado no lugar central do templo, antes ocupado pelo altar de bronze. O novo altar substituiu o anterior como o local onde os sacrifícios regulares, da manhã e da tarde, seriam oferecidos. Mas o altar designado por Deus não seria destruído. É claro que não! Seria apenas colocado em um canto (v. 14). Em uma observação em seu decreto sobre o assunto, o rei Acaz assegurou aos seus mais tradicionais súditos que não pretendia insultar o velho altar designado por Deus. O decreto terminava com estas palavras: “O altar de bronze ficará para a minha deliberação posterior” (v. 15). Os inovadores com seus lábios reconheciam os elementos de culto designados por Deus e, ao mesmo tempo, no exercício de tal adoração, acabavam anulando o valor de tais elementos. Isso ilustra admiravelmente a sutileza com que as práticas não ordenadas pela Bíblia tendem a substituir o culto designado pelas Escrituras. Essa tendência é constatada em igrejas evangélicas nas quais programas ingênuos ou mundanos, shows e apresentações musicais, oportunidades para testemunho, coreografias e mímicas, teatro, marionetes, danças e filmes cristãos assumem completamente o lugar ou restringem os ele- mentos de adoração ordenados nas Escrituras.

O terceiro argumento envolvido no princípio que os puritanos extraíram das Escrituras foi este: se os homens, pecadores, tivessem de acrescentar ao culto qualquer elemento não ordenado por Deus, eles estariam, por meio dessa atitude, questionando a sabedoria do Senhor Jesus e a plena suficiência das Escrituras.
Em 2 Timóteo Paulo afirma: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Tm 3. 16-17). O homem de Deus mencionado nestes versículos não se refere a todo crente. Existem razões convincentes para identificarmos “homem de Deus” como uma referência a homens como Timóteo, que tinham o encargo de estabelecer a ordem e a liderança na igreja de Deus. Os presbíteros de uma igreja devem utilizar as Escrituras de tal maneira que estabeleçam e regulem a maneira como o culto será realizado. Eles não fazem isso impondo suas próprias idéias a respeito; pelo contrário, eles o fazem por manterem-se fiéis à Palavra de Deus, implementando o que Deus afirma e deseja no que concerne à adoração celebrada por seu povo. Portanto, as Escrituras são capazes de habilitar completamente o homem de Deus para toda boa obra na igreja de Deus, para a glória dEle através da adoração.

Em quarto lugar, os puritanos eram inflexíveis em provar que a Bíblia condena todo culto que não foi ordenado por Deus. Eis alguns textos que compravam isto: Levítico 10.1-3; Deuteronômio 17.3; 4.2; 12.29-32; Josué 1.7; 23.6-8; Mateus 15.8-9, 13; Colossenses 2.20-23. Consideremos Levítico 10.1-3 e as duas passagens citadas do Novo Testamento.

Levítico 10.1-3 afirma: “Nadabe e Abiú, filhos de Arão, tomaram cada um o seu incensário, e puseram neles fogo, e sobre este, incenso, e trouxeram fogo estranho perante a face
do SENHOR, o que lhes não ordenara. Então, saiu fogo de diante do SENHOR e os consumiu; e morreram perante o SENHOR. E falou Moisés a Arão: Isto é o que o SENHOR disse: Mostrarei a minha santidade naqueles que se cheguem a mim e serei glorificado diante de
todo o povo. Porém Arão se calou” (Lv 10.1-3). Esta passagem inicialmente nos mostra que Nadabe e Abiú achegaram-se a Deus, para oferecer-Lhe incenso, mas Deus não o aceitou. Ele não se agradou do que aqueles homens Lhe estavam ofertando. Nadabe e Abiú ofereceram “fogo estranho”. Esta expressão é bastante admirável. Deus jamais havia dito que alguém não Lhe poderia oferecer aquele tipo de fogo. Você pode examinar toda a Bíblia, a fim de em vão procurar o mandamento que lhes proibia de fazer isso. Pelo contrário, descobriremos o que Deus positivamente havia dito. Embora não tenha proibido que alguém Lhe trouxesse esse fogo estranho, o texto bíblico nos mostra que Deus não o aprovou e matou os homens que o ofereceram. Nadabe e Abiú determinaram por si mesmos oferecer algo que Deus não havia expressamente pedido; e, por causa disso, foram “consumidos” pelo Senhor. O princípio aqui estabelecido permanece verdadeiro: Deus será “santificado” naqueles que se aproximam dEle. Isto significa que seu povo haverá de considerá-Lo “santo”, ou seja, completamente separado. Deus será glorificado, ou através da execução de sua justiça sobre homens que oferecem fogo estranho, ou através da correta adoração. O pecado de Nadabe e Abiú consistiu em oferecer a Deus aquilo que Ele não havia ordenado. Deus não havia previamente ameaçado de matá-los, se oferecessem fogo estranho; mas, apesar disso, Ele os matou. Este fato nos mostra que temos de fazer uma exegese cuidadosa da Palavra de Deus, para encontrarmos seu exato significado e nós mesmos não sermos vítimas da ira divina. Ele é exigente no que se refere ao seu culto.

A segunda passagem que desejamos considerar é Mateus 15.8-9: “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens”. Esta é uma declaração notável. Jesus mostra que pessoas, embora professem o nome dEle, realmente não O possuem, porque não O adoram em verdade. Elas O honram com seus lábios; declaram-se cristãs, dizem que O amam e afirmam muitas outras coisas. (Observe que nesta passagem da Bíblia Jesus estava falando sobre os fariseus, que pareciam ter sua religião caprichosamente empacotada com o rótulo “justo para Deus”.) Mas Jesus prosseguiu e declarou que os corações daqueles homens estavam longe dEle; estavam em outro lugar, bem distante. Não pertenciam a Cristo. Eles realmente não O adoravam. Pelo contrário, acrescentavam coisas à adoração divina e, deste modo, ensinavam como “doutrinas” (ou verdades do evangelho) as vãs imaginações dos homens. Os mandamentos criados por homens (tais como acréscimos ao culto) são condenados, porque em verdade não honram a Cristo. O homem não recebeu o direito de criar a atmosfera do culto e do aproximar-se de Deus. Jesus condena essa atitude da parte do homem.

A terceira passagem que desejamos examinar é Colossenses 2.20-23: “Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquilo outro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens?
Pois que todas estas coisas, com o uso, se destroem. Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade”. Nesta passagem, o apóstolo Paulo estava refutando a falsa adoração que os homens impõem sobre as demais pessoas. O culto que não está alicerçado na correta orientação fornecida pelas Escrituras é chamado de “culto da vontade”. Em essência, é uma adoração do “ego”, porque procede do “ego” e das coisas que o agradam. O “culto da vontade” acontece quando fatores humanos são os agentes pelos quais realiza-se a adoração. Com freqüência, ele ocorre quando o auditório diz ao pastor o que deve ser pregado e como o culto deve ser realizado. Muitas vezes a igreja satisfaz o mundo e cria uma atmosfera “não- agressiva” a este, de modo que as pessoas do mundo encham a igreja. Infelizmente, esta se torna semelhante ao mundo, ao invés de conversões de almas transformarem o mundo na igreja. A adoração se torna uma questão de gosto e conveniência. Os desejos humanos se tornam o elemento decisivo. Imaginem se Nadabe e
Abiú pudessem visitar igrejas contemporâneas, eles cairiam de joelhos e lamentariam amargamente ao re- conhecer que seu pecado ainda é praticado, e com grande complacência e aceitação em nossos dias.

Os puritanos desejavam um culto simples e bíblico; regulavam-no pelas Escrituras, ao invés de o realizarem de acordo com a vontade deles mesmos. Eles não tinham qualquer desejo de oferecer “fogo estranho”, embora este fosse bastante “estimulante” ao auditório. Não estavam interessados em montar um “show”. Quando Elias estava no monte Carmelo (1 Reis 18), ele perguntou ao povo se eles queriam seguir a Deus ou a Baal. Ao ser confrontado por esta pergunta, o povo ficou em silêncio. Quando Elias declarou que desejava ter uma “competição” (um “show”) com os sacerdotes de Baal, o que aconteceu ao povo? Todos ficaram bastante interessados. “Sim, vamos ter um show.” E tiveram. Com igrejas contemporâneas dá-se o mesmo. Elas querem “show”; desejam que caia fogo do céu, que a igreja realize algo espetacular ou, pelo menos, promova tanto entretenimento quanto possível. Mas isso não agrada a Deus. E, se não fosse por causa da misericórdia de Deus, muitos hoje talvez fossem consumidos, assim como Nadabe e Abiú o foram.
Que o Deus a ser adorado abra os olhos daqueles que necessitam ver.

Alimentando as Ovelhas ou Divertindo os Bodes


Charles Haddon Spurgeon

Existe um mal entre os que professam pertencer aos arraiais de Cristo, um mal tão grosseiro em sua imprudência, que a maioria dos que possuem pouca visão espiritual dificilmente deixará de perceber. Durante as últimas décadas, esse mal tem se desenvolvido em proporções anormais. Tem agido como o fermento, até que toda a massa fique levedada. O diabo raramente criou algo mais perspicaz do que sugerir à igreja que sua missão consiste em prover entretenimento para as pessoas, tendo em vista ganhá-las para Cristo. A igreja abandonou a pregação ousada, como a dos puritanos; em seguida, ela gradualmente amenizou seu testemunho; depois, passou a aceitar e justificar as frivolidades que estavam em voga no mundo, e no passo seguinte, começou a tolerá-las em suas fronteiras; agora, a igreja as adotou sob o pretexto de ganhar as multidões.

Minha primeira contenção é esta: as Escrituras não afirmam, em nenhuma de suas passagens, que prover entretenimento para as pessoas é uma função da igreja. Se esta é uma obra cristã, por que o Senhor Jesus não falou sobre ela? "Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura." (Mc 16.15), isso é bastante claro. Se Ele tivesse acrescentado: E oferecei entretenimento para aqueles que não gostam do evangelho., assim teria acontecido. No entanto, tais palavras não se encontram na Bíblia. Sequer ocorreram à mente do Senhor Jesus. E mais: "Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres." (Ef 4.11). Onde aparecem nesse versículo os que providenciariam entretenimento? O Espírito Santo silenciou a respeito deles. Os profetas foram perseguidos porque divertiam as pessoas ou porque recusavam-se a fazê-lo? Os concertos de música não têm um rol de mártires.

Novamente, prover entretenimento está em direto antagonismo ao ensino e à vida de Cristo e de seus apóstolos. Qual era a atitude da igreja em relação ao mundo? "Vós sois o sal...", não o "docinho", algo que o mundo desprezará. Pungente e curta foi a afirmação de nosso Senhor: "Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos." (Lc 9.60). Ele estava falando com terrível seriedade!

Se Cristo houvesse introduzido mais elementos brilhantes e agradáveis em seu ministério, teria sido mais popular em seus resultados, porque seus ensinos eram perscrutadores. Não O vejo dizendo: Pedro, vá atrás do povo e diga-lhe que teremos um culto diferente amanhã, algo atraente e breve, com pouca pregação. Teremos uma noite agradável para as pessoas. Diga-lhes que com certeza realizaremos esse tipo de culto. Vá logo, Pedro, temos de ganhar as pessoas de alguma maneira! Jesus teve compaixão dos pecadores, lamentou e chorou por eles, mas nunca procurou diverti-los. Em vão, pesquisaremos as cartas do Novo Testamento a fim de encontrar qualquer indício de um evangelho de entretenimento. A mensagem das cartas é: Retirai-vos, separai-vos e purificai-vos!. Qualquer coisa que tinha a aparência de brincadeira evidentemente foi deixado fora das cartas. Os apóstolos tinham confiança irrestrita no evangelho e não utilizavam outros instrumentos. Depois que Pedro e João foram encarcerados por pregarem o evangelho, a igreja se reuniu para orar, mas não suplicaram: Senhor, concede aos teus servos que, por meio do prudente e discriminado uso da recreação legítima, mostremos a essas pessoas quão felizes nós somos. Eles não pararam de pregar a Cristo, por isso não tinham tempo para arranjar entretenimento para seus ouvintes. Espalhados por causa da perseguição, foram a muitos lugares pregando o evangelho. Eles transtornaram o mundo. Essa é a única diferença! Senhor, limpe a igreja de todo o lixo e baboseira que o diabo impôs sobre ela e traga-nos de volta aos métodos dos apóstolos.

Por último, a missão de prover entretenimento falha em conseguir os resultados desejados. Causa danos entre os novos convertidos. Permitam que falem os negligentes e zombadores, que foram alcançados por um evangelho parcial; que falem os cansados e oprimidos que buscaram paz através de um concerto musical. Levante-se e fale o alcoólatra para quem o entretenimento na forma de drama foi um elo no processo de sua conversão! A resposta é óbvia: a missão de prover entretenimento não produz convertidos verdadeiros. A necessidade atual para o ministro do evangelho é uma instrução bíblica fiel, bem como ardente espiritualidade; uma resulta da outra, assim como o fruto procede da raiz. A necessidade de nossa época é a doutrina bíblica, entendida e experimentada de tal modo, que produz devoção verdadeira no íntimo dos convertidos.

Por último, a missão de prover entretenimento falha em conseguir os resultados desejados. Causa danos entre os novos convertidos. Permitam que falem os negligentes e zombadores, que foram alcançados por um evangelho parcial; que falem os cansados e oprimidos que buscaram paz através de um concerto musical. Levante-se e fale o alcoólatra para quem o entretenimento na forma de drama foi um elo no processo de sua conversão! A resposta é óbvia: a missão de prover entretenimento não produz convertidos verdadeiros. A necessidade atual para o ministro do evangelho é uma instrução bíblica fiel, bem como ardente espiritualidade; uma resulta da outra, assim como o fruto procede da raiz. A necessidade de nossa época é a doutrina bíblica, entendida e experimentada de tal modo, que produz devoção verdadeira no íntimo dos convertidos.

Examinando Nosso Arrependimento


Nascido em 1620, Thomas Watson estudou em Cambridge (Inglaterra). Em 1646, iniciou um pastorado de dezesseis anos em Londres. Entre suas principais obras, estão o seu famoso Body of Pratical Divinity (Compêndio de Teologia Prática), publicado postumamente em 1692.


Se alguém diz que se arrependeu, desejo que examine-se a si mesmo, seriamente, por meio dos sete... efeitos do arrependimento delineados pelo apóstolo em 2 Coríntios 7.11.

1. Cuidado. A palavra grega significa uma diligência intensa ou um esquivar-se atento de todas as tentações ao pecado. O homem verdadeiramente arrependido foge do pecado como Moisés fugiu da serpente.

2. Defesa. A palavra grega é apologia. O sentido é este: embora tenhamos muito cuidado, podemos cair no pecado devido à força da tentação. Ora, nesse caso, o crente arrependido não deixa o pecado supurar em sua alma; antes, julga a si mesmo por causa de seu pecado. Derrama lágrimas perante o Senhor. Clama por misericórdia em nome de Cristo e não O deixa, enquanto não obtém o seu perdão. Assim, em sua consciência, ele é defendido da culpa e se torna capaz de criar uma apologia para si mesmo contra Satanás.

3. Indignação. Aquele que se arrepende levanta o seu espírito contra o pecado, assim como o sangue de alguém sobe quando ele vê um indivíduo a quem odeia mortalmente. A indignação significa ficar importunado no coração por causa do pecado. O penitente sente-se inquieto consigo mesmo. Davi chamou a si mesmo de “ignorante” e “irracional” (Sl 73.22). Agradamos mais a Deus quando arrazoamos com nossa alma por conta do pecado.

4. Temor. Um coração sensível é sempre um coração que teme. O penitente sentiu a amargura do pecado. Este vespa o ferrou, e agora, tendo esperança de que Deus está reconciliado, ele teme se aproximar novamente do pecado. A alma penitente está cheia de temor. Tem medo de perder o favor de Deus, que é melhor do que a vida, e receia que, por falta de diligência, fique aquém da salvação. A alma penitente teme que, depois de amolecido o seu coração, as águas do arrependimento sejam congeladas, e ela seja endurecida no pecado novamente. “Feliz o homem constante no temor de Deus” (Pv 28.14)... Uma pessoa que se arrependeu teme e não peca; uma pessoa que não tem a graça de Deus peca e não teme.

5. Desejo intenso. Assim como o bom tempero estimula o apetite, assim também as ervas amargas do arrependimento estimulam o desejo. O que o penitente deseja? Ele deseja mais poder contra o pecado, bem como ser livre deste. É verdade que ele está livre de Satanás; mas anda como um prisioneiro que escapou da prisão com algemas nas pernas. Ele não pode andar com liberdade e destreza nos caminhos de Deus. Deseja, portanto, que as algemas do pecado sejam removidas. Ele quer ser livre da corrupção. Clama nas mesmas palavras de Paulo: “Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24). Em resumo, ele deseja estar com Cristo, assim como tudo deseja estar em seu devido lugar.

6. Zelo. Desejo e zelo são colocados lado a lado a fim de mostrar que o verdadeiro desejo se manifesta em esforço zeloso. Oh! como o crente arrependido se estimula nas coisas pertinentes à salvação! Como se empenha para tomar por esforço o reino de Deus (Mt 11.12)! O zelo incita a busca pela glória. Ao se deparar com dificuldades, o zelo é encorajado pela oposição e sobrepuja o perigo. O zelo faz o crente arrependido persistir na tristeza santa mesmo diante de todos os desencorajamentos e oposições. O zelo desprende o crente de si mesmo e leva-o a buscar a glória de Deus. Paulo, antes de sua conversão, era enfurecido contra os santos (At 26.11). Depois da conversão, ele foi considerado louco por amor a Cristo: “As muitas letras te fazem delirar!” (At 26.24). Paulo tinha zelo e não delírio. O zelo causa fervor na vida espiritual, que é como fogo para o sacrifício (Rm 12.11). O zelo é um estímulo para o dever, assim como o temor é um freio para o pecado.

7. Vindita. Um crente verdadeiramente arrependido persegue os seus pecados com uma malignidade santa. Busca a morte dos pecados como Sansão queria vingar-se dos filisteus pelos seus dois olhos. O crente arrependido age com seus pecados da mesma maneira como os judeus agiram com Cristo. Ele lhes dá fel e vinagre para beberem. Crucifica as suas concupiscências (Gl 5.24). Um verdadeiro filho de Deus busca a ruína daqueles pecados que mais desonram a Deus... Com o pecado, Davi contaminou o seu leito; depois, pelo arrependimento, ele inundou seu leito com lágrimas. Os israelitas pecaram pela idolatria e, posteriormente, viram como desgraça os seus ídolos: “E terás por contaminados a prata que recobre as imagens esculpidas e o ouro que reveste as tuas imagens de fundição” (Is 30.22)... As mulheres israelitas que haviam se vestido à moda da época e, por orgulho, tinham abusado do uso de seus espelhos ofereceram-nos depois, tanto por zelo como por vingança, para o serviço do tabernáculo de Deus (Êx 38.8). Com o mesmo sentimento, os mágicos... quando se arrependeram, trouxeram seus livros e, por vindita, queimaram-nos (At 19.19).

Estes são os benditos frutos e resultados do arrependimento. Se os acharmos em nossa alma, chegamos àquele arrependimento do qual nos arrependeremos (2 Co 7.10).

Extraído de The Doctrine of Repetance, reimpresso por The Banner of Truth Trust.

Traduzido por: Wellington Ferreira

Copyright© Editora FIEL 2009.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O que creio acerca da Redenção Particular ou Expiação Limitada

Creio que: a eleição em si não salva ninguém; a eleição apenas destaca alguns pecadores para a salvação. Ou seja, os que foram escolhidos pelo Pai e dados ao Filho precisam ser redimidos para serem salvos.

Creio que: Jesus Cristo veio ao mundo e tomou sobre Si a natureza humana para que pudesse identificar-Se com seu povo, agindo como seu representante ou substituto. Assegurando assim, a redenção do Seu povo.

Creio que: Cristo, agindo em lugar do Seu povo, guardou perfeitamente a lei de Deus e dessa forma produziu a justiça perfeita requerida por Deus, a qual é imputada ao Seu povo ou creditada a ele no momento em que cada um é trazido à fé nEle. Sendo a justiça perfeita de Cristo imputada ao Seu povo, esse mesmo povo é constituído justo diante de Deus.

Creio que: todos os que constituem esse povo são libertos da culpa e da condenação como resultado do que Cristo sofreu por eles. Através do sacrifício substitutivo de Cristo, o Seu povo é unido a Ele pela fé, é-lhe creditada a justiça perfeita pela qual fica livre da culpa e da condenação do pecado. São salvos não pelo que fizeram ou irão fazer, mas tão somente na base da obra redentora de Cristo.

Creio que: a obra redentora de Cristo foi definida em desígnio e realização, isto é, foi intencionada para render completa satisfação em favor de certos pecadores específicos e que, de fato, assegurou a salvação a esses indivíduos e a ninguém mais.

Creio que: a salvação que Cristo adquiriu para o Seu povo inclui tudo o que está envolvido no processo de trazê-lo a um correto relacionamento com Deus, incluindo os dons da fé e do arrependimento.

Creio que: Cristo não morreu simplesmente para tornar possível a Deus perdoar pecadores. Nem deixa Deus aos pecadores a decisão se a obra de Cristo será ou não efetiva.

Creio que: a redenção foi designada para cumprir o propósito divino da eleição.

Creio que: a obediência e o sofrimento de Cristo são de valor infinito, e que, se fosse o propósito de Deus, a satisfação rendida por Cristo teria salvado todos os membros da raça humana. Não seria requerida de Cristo mais obediência, mais sofrimento, para assegurar a salvação de todos os homens do que foi requerido para a salvação apenas dos eleitos.

Creio que: Cristo veio ao mundo para representar e salvar apenas aqueles que Lhe foram dados pelo Pai.

Creio que: a obra salvadora de Cristo foi limitada no sentido em que foi designada para salvar muitos e não todos, mas não foi limitada em valor, pois seu valor é infinito. Ela teria assegurado à salvação de todos, se essa tivesse sido a intenção de Deus.

Creio que: os arminianos também estabelecem uma limitação na obra expiatória de Cristo, mas de natureza diferente.

Creio que: eles (os arminianos) acreditam que a obra expiatória de Cristo foi designada para tornar possível a salvação de todos os homens, desde que eles creiam, e de que a morte de Cristo, em sim mesma, não assegura ou garante a salvação para ninguém. Desde que todos os homens serão salvos como resultado da obra redentora de Cristo, deve-se admitir que há uma limitação.

Creio que: essa limitação consiste num desses dois pontos: ou a expiação foi designada para assegurar a salvação para certos pecadores e não a outros, ou ela foi limitada no sentido em que não foi intencionada para assegurar a salvação de ninguém, mas apenas para tornar possível a Deus perdoar os pecadores na condição de fé. Em outras palavras, a limitação deve ser colocada, em desígnio, na sua extensão, (não foi intencionada para todos), ou na sua eficácia, (ela não assegura a salvação de ninguém). Desta forma, são os arminianos que impõem uma limitação maior à obra de Cristo.

Creio que: as Escrituras descrevem o fim intencionado e realizado pela obra de Cristo como a salvação completa do Seu povo, (reconciliação, justificação e santificação).

Creio que: as Escrituras declaram que Cristo veio não para capacitar os homens, a se salvarem a si mesmos, mas para salvar pecadores (Mt 1.21; Lc 19.10; 2Co 5.21; Gl 1.3-4; 1Tm 1.15; Tt 2.14; 1Pd 3.18).

Creio que: as Escrituras declaram que, como resultado do que Cristo fez e sofreu, Seu povo é reconciliado com Deus, justificado, e recebe o Espírito Santo que o regenera e santifica. Todas essas bênçãos foram asseguradas por Cristo para o seu povo.

Cristo, pela Sua obra redentora, assegurou a reconciliação ao Seu povo (Rm 5.10,11; 2Co 5.18,19; Ef 2.15,16; Cl 1.21,22).

Cristo assegurou a justiça e o perdão que Seu povo necessita para a sua justificação (Rm 3.24,25; 5.8,9; 1Co 1.30; Gl 3.13; Cl 1.13,14; Hb 9.12; 1Pd 2.24).

Cristo assegurou o dom do Espírito, o qual inclui regeneração e santificação e tudo o que está incluído nessas graças (Ef 1.3,4; Fl 1.29; At 5.31; Tt 2.14; 3.5,6; Ef 5.25,26; 1Co 1.30; Hb 13.12; 1Jo 1.7).

Creio que: Há passagens na Escritura que apresentam o Senhor Jesus Cristo, em tudo o que Ele fez e sofreu pelo Seu povo, como cumprindo os termos de um pacto ou concerto gracioso no qual entrou com Seu Pai celestial antes da fundação do mundo.

Jesus foi enviado ao mundo pelo Pai para salvar o povo que o Pai Lhe deu. Os que o Pai lhe deu vêm a Ele e nenhum deles se perderá (Jo 6.35-40).

Jesus, como o bom Pastor, dá a Sua vida pelas Suas ovelhas. Todos os que são Suas ovelhas são trazidos por Ele ao aprisco, levadas a ouvir a Sua voz e a segui-lo (Jo 10.11,14-18,24-29).

Jesus, em Sua oração sacerdotal, roga não pelo mundo, mas por aqueles que o Pai lhe dera. Em cumprimento à tarefa dada pelo Pai, Jesus realizou a Sua obra. Essa obra era tornar Deus conhecido do Seu povo e dar-lhe a vida eterna (Jo 17.1-11,20,24-26).

Paulo declara que todas as “bênçãos espirituais” que os santos herdam, tais como filiação, redenção, perdão de pecados, etc., resultam do fato de estarem “em Cristo”, e liga essas bênçãos à sua fonte última, o eterno conselho de Deus, onde repousa a grande bênção de terem sido escolhidos em Cristo antes da fundação do mundo para serem filhos de Deus, por meio dEle (Ef 1.3-12).

O paralelo que Paulo estabelece entre a obra condenatória de Adão e a obra salvadora de Cristo, o “segundo Adão”, pode ser melhor explicado na base do princípio de que ambos figuravam uma relação pactual com o “seu povo”. Adão figurava como o cabeça federal da raça humana e Cristo como o cabeça federal dos eleitos. Assim como Adão envolveu o seu povo na morte e condenação pelo seu pecado, assim também Cristo trouxe justiça e vida ao Seu povo através de Sua justiça (Rm 5.12,17-19).

Creio que: algumas passagens falam de Cristo morrendo por “todos” os homens e de Sua morte como salvando “o mundo”; todavia, outras falam de Sua morte como sendo definida em desígnio, isto é, para assegurar a salvação de um povo específico.

Há duas classes de textos que falam da obra salvadora de Cristo em termos gerais: (1) As que contém a palavra “mundo” (Jo 1.9,29; 3.16,17; 4.42; 2Co 5.19; 1Jo 2.1,2; 4.14) e (2) As que contêm a palavra “todos” (Rm 5.18; 2Co 5.14,15; 1Tm 2.4-6; Hb 2.9; 2Pd 3.9).

Creio que: uma das razões para o uso dessas expressões era corrigir a noção falsa de que a salvação era apenas para os judeus. Frases como “o mundo”, “todos os homens”, “todas as nações”, “toda criatura”, eram usadas para corrigir esse erro. Essas expressões eram usadas para mostrar que Cristo morreu por todos os homens sem distinção (isto é, Ele morreu tanto para judeus como para os gentios), mas elas não pretendem indicar que Cristo morreu por todos os homens, sem exceção (isto é, Ele não morreu com o propósito de salvar todo e qualquer pecador perdido).

Há outras passagens que falam de Sua obra salvadora em termos definidos e mostram que ela foi intencionada para salvar infalivelmente um determinado povo, a saber, aqueles que Lhe foram dados pelo Pai (Mt 1.21; 26.28; Jo 10.11; 11.50-53; At 20.28; Ef 5.25-27; Rm 8.32-34; Hb 2.17; 3.1; 9.15; 9.28; Ap 5.9).

José André Lourenço